Sergio Benedito

Hortus Conclusus
(Zantedeschia Aethiopica)

“E se, por toda a riqueza,
não restarem senão dois pães,
vende um e, com algumas moedas,
oferece-te jacintos para alimentar a tua alma!”

Poema persa

Poucos serão os ilhéus que não estabelecem uma relação de íntima proximidade com o mundo natural que os envolve. E poucos serão, de igual modo, aqueles que no mais íntimo do seu ser não reconhecem nas plantas e nas flores que por todo o lado se mostram, a perfeita serenidade que a beleza traduz.

O ponto de partida para a participação no projecto de intervenção artística Coração Verde estabelece essa ponte com a essência que o mundo natural retém, e com o meu universo interior, vivencial, próprio do que levei a cabo e que ora se dá a ver. De todo o universo botânico as possibilidades de exploração e de recriação deste jardim-miniatura estender-se-iam até ao infinito, para mais, a biodiversidade e possibilidades próprias da ilha-jardim, tão só, oferecem um caminho de exploração que a triagem se fez com a natural dificuldade de quem tem de escolher o tema e as plantas a “trabalhar”. Por outro lado, o convite à participação, foi-me endereçado na qualidade de alguém cuja formação base são as artes plásticas e por tal razão, entendi que deveria seguir um caminho em que o dar a ver teria de passar necessariamente pela recriação do mundo que me acolhe. Daí o resultado final ser tão diferente desse natural que inicialmente se propunha. Sem pretensões de obra de arte, nem de artista. Sem eloquências desnecessárias de caminhos que se fazem antes de serem trilhados, nem de outros que, de tão conceptuais perdem o rumo e a leitura, propus-me equacionar um conjunto de conceitos ou, se se preferir, de ideias que todos temos sobre os jardins e redimensioná-los à escala do “meu” mundo.

O observador, rapidamente se dará conta que se reequaciona aqui o conceito de natural, e por conseguinte, a essência do jardim dada a falta de muitas das características que os enformam. Rapidamente se aperceberá que este hortus em muitos aspectos, em especial na matéria que é feito, perdeu a naturalidade de que provém a sua essência. Mas… talvez não tanto! Interessa-me aqui, repensar a matéria, o processo de crescimento, o conceito de jardim, mas também a forma e a cor que neles tanto nos seduz e atrai. A proposta, na sua génese, é a ausência, e nesse vazio, caber lugar para tudo o que a memória e a experiência reteve ao longo dos anos. A proposta centra-se, também, no acto de abstrair, de reduzir ao essencial, de dar à forma o lugar central de todo e qualquer jardim. Por muito amplo e díspar que o possamos entender.

A proposta, por fim, refere-se também ao acto de criar, tão querido a qualquer jardineiro. A este hortus não foi dada a possibilidade da natureza fazer o seu trabalho regular e expectável, antes, foi artificialmente recriado, exactamente, como o jardineiro empenhado e entregue à sua arte dedica o seu tempo e amor a tudo o que há-de crescer e ser. A seu tempo. O jardim, este jardim, procura por em evidência também, a dimensão humana do natural, um natural condicionado, refém das vontades e prazeres de quem cria. De quem procura, ainda que infimamente, controlar a natureza nesse “seu” pequeno biótopo. Eu, como Deus, criador.

E há, ainda, o endógeno e o exógeno, aquilo que é “nosso” e que é dos “outros”, o que nos caracteriza e o que nos enquadra num mundo maior e mais diversificado. Daí a escolha da flor de jarro (zantedeschia Aethiopica). Tanto se poderia dizer sobre esta flor, e tantos são os símbolos que a ela estão associados, que não cabe aqui espaço. Sabemos apenas que não é de cá, que veio desse continente tão próximo fisicamente da ilha, e de onde, originalmente, viemos também.

Há muito ainda a aprender com a natureza. Como disse Goëthe: A natureza é o único livro que oferece um conteúdo valioso em todas as suas folhas.











__________________________________________________

Sérgio Benedito, Funchal, 1978
Licenciado em Artes Plásticas, Variante Pintura pela Universidade da Madeira(2001). Mestre em Teorias da Arte, pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa(2004). É professor do Ensino Básico e Secundário do grupo de Artes Visuais, desde 1998. Expõe desde 1997, em diversas exposições colectivas.